ADIR - L'altro diritto

ISSN 1827-0565

Capítulo II
Direito X Saúde no manicômio judiciário

Ludmila Cerqueira Correia, 2009

1. Códigos penais de 1830, 1890 e 1940

No que se refere à legislação penal brasileira, deve-se analisar os Códigos Penais que iniciaram a estabelecer sanções aos ditos "loucos criminosos". Os Códigos de 1830, 1890 e 1940, além da reforma penal ocorrida em 1984, serão considerados no sentido de compreender como a norma penal se desenvolveu no Brasil para julgar as pessoas com transtornos mentais autoras de delito.

O Código Criminal do Império do Brazil, sancionado pelo Imperador Dom Pedro I em 16 de dezembro de 1830, seguia os preceitos da Escola Clássica do Direito Penal (ALVES, 1998), e conforme afirma Corrêa (1999), inspirou-se na doutrina utilitária de Bentham, tendo sido influenciado pelo liberalismo da Constituição de 1824 e pelos Códigos Francês de 1810 e Napolitano de 1819. Naquele período, os loucos eram tratados diferentemente, em conformidade com a sua situação social. Cabia à polícia médica controlá-los e encaminhá-los às cadeias e às Santas Casas, tradição esta mantida pelo Código Criminal do Império (PERES, 2002).

O referido Código, em seu artigo 10, § 2º, estabelecia (BARRETO, 2003):

"Art. 10: Também não se julgarão criminosos:
§ 2º. Os loucos de todo genero, salvo se tiverem lucidos intervallos e nelles cometterem o crime."

Essa era a primeira vez que a legislação penal brasileira se referia aos loucos que cometiam crime, porém, como à época não existia uma instituição específica a eles destinadas, mas apenas as prisões e as Santas Casas, o referido Código Criminal rezava, no seu artigo 12: "Os loucos que tiverem cometido crimes serão recolhidos às casas para eles destinadas, ou entregues às suas famílias, como ao juiz parecer mais conveniente." Ressalte-se que esta escolha ficava única e exclusivamente a critério do magistrado, o qual tinha plena liberdade para decidir, sem se vincular a nenhum tipo de regra e sem precisar fundamentar sua convicção (FÜHRER, 2000). Com a inexistência de locais especiais para recebê-los, eram recolhidos às Casas de Correção, "com suas divisões para os criminosos que enlouqueciam enquanto cumpriam penas", as quais se constituem os "antecedentes dos manicômios judiciários" (JACOBINA, 1982, p. 49).

O Código Penal de 1890, o primeiro da República, imprimiu mudanças no estatuto jurídico penal da pessoa com transtorno mental autora de delito e na instituição a ela destinada. Ao tratar do que denominava responsabilidade criminal, dispunha, no seu artigo 27, que "não são criminosos os que por imbecilidade nativa ou enfraquecimento senil forem absolutamente incapazes de compreensão e os que se acharem em estado de completa privação dos sentidos e da inteligência no ato de cometer o crime" (CORRÊA, 1999, p. 117; MATTOS, 1999, p. 45; ALVES, 1998, p. 55). E ainda preceituava no artigo 29 que "os indivíduos isentos de culpabilidade em resultado de afecção mental serão entregues às suas famílias ou recolhidos a hospitais de alienados, se o seu estado mental assim exigir para a segurança do público". Neste artigo, observam-se os conceitos de perigo e de defesa social. Caso não apresentassem periculosidade, seriam entregues às famílias, caso contrário, deveriam ser compulsoriamente internados.

Naquele momento, um novo elemento passa a ser relacionado ao crime: a imputabilidade do agente. De acordo com o novo Código Penal, os loucos não teriam o seu ato qualificado como crime, sendo, assim, considerados inimputáveis. Ademais, a lei designa o lugar específico para onde eles deveriam ser encaminhados, o hospício de alienados (art. 20), embora já houvesse um movimento de alienistas pela construção de manicômios criminais (PERES, 2002).

O referido Código Penal da República inspirou-se nas idéias da Escola Positiva do Direito Penal, visto que o modelo positivista propunha que o "criminoso nato", o "louco moral", não poderia ser responsabilizado penalmente, mas tratado pela ciência positivista. "Como não há cura possível para a loucura moral, a defesa social exige a segregação manicomial ad aeternum." (MATTOS, 1999, p. 61).

Quanto às perícias médico-legais da época, Mattos (1999, p. 61) afirma que "limitavam-se invariavelmente [...] a determinar se o 'louco' poderia agir livremente, se seria capaz de formar um juízo ethico ao discernir o bem do mal (o crime)."

Nos anos que se seguiram, houve algumas propostas de modificação do Código, dentre elas, o Decreto nº 22.213 de 14 de dezembro de 1932, que adotou a denominada Consolidação das Leis Penais, com base em trabalho do Desembargador Vicente Piragibe, devido às inúmeras alterações realizadas no texto de 1890. Porém, o mesmo texto foi mantido com uma pequena modificação: mencionava "completa perturbação de sentidos e de inteligência" e não mais "privação" a tal respeito para determinar a irresponsabilidade penal do agente (ALVES, 1998, p. 54).

O Código Penal de 1940 surgiu na vigência do chamado Estado Novo, de caráter nazi-fascista, através do Decreto-Lei nº 2.848 de 7 de dezembro de 1940, sendo que o seu artigo 22 referia-se aos "irresponsáveis":

"Art. 22. É isento de pena o agente que, por doença mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter criminoso do fato ou de determinar-se com esse entendimento. Parágrafo único. A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude da perturbação da saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado, não possuía, ao tempo da ação ou da omissão, a plena capacidade de entender o caráter criminoso do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento."

Nesse novo Código a doença mental não é determinante absoluta da inimputabilidade, sendo adotado o critério biopsicológico para determinar a imputabilidade do criminoso, segundo o qual deve ser avaliada a existência de um nexo de causalidade entre o estado mental patológico e o crime. De acordo com tal critério, o crime possui um "momento intelectivo, que se relaciona com a capacidade de entendimento, e um momento volitivo, relacionado com a capacidade de determinação." (PERES, 2002, p. 343). Assim, para haver a isenção da pena, não basta que seja constatada a existência de doença mental, é necessário que a doença mental retire do indivíduo a capacidade de entender o caráter ilícito do fato.

A inimputabilidade está relacionada com a culpabilidade do criminoso, a qual é considerada o aspecto subjetivo do delito que se refere à intenção de delinqüir e funciona como condição para imposição da pena (BITENCOURT, 2000). Examinando o artigo 22, verifica-se que os doentes mentais são isentos de pena e, por isso, no Código Penal de 1940, a doença mental é considerada uma causa de exclusão da culpabilidade. Portanto, se não há a culpabilidade, isso determina a inimputabilidade, não podendo ser juridicamente imputada a prática de um fato punível àquela pessoa. Como a responsabilidade penal está relacionada com as conseqüências jurídicas decorrentes do ato delituoso, para que a mesma se configure, é necessário a existência de imputabilidade.

O Código Penal de 1940 instituiu o chamado sistema do duplo binário, que apresentava dois tipos de reação penal: de um lado, a pena, medida segundo o grau de culpabilidade do sujeito e a gravidade de seu ato; e, de outro, a medida de segurança, fundada na avaliação do grau de periculosidade do acusado. A medida de segurança deveria atingir os loucos criminosos e outras classes de "delinqüentes não-alienados". Assim, configurava-se a aplicação dupla de pena e medida de segurança.

O sistema do duplo binário tem origem na concepção dualista, que tem sua maior expressão no Código Penal italiano de 1930, tendo sido defendida pelos penalistas italianos Rocco, Massari, Longhi, Alimena, Manzini e Battaglini (CORRÊA, 1999). Segundo esta concepção, a medida de segurança apresenta-se como um complemento da pena, sendo imposta em sentença condenatória, momento em que é apreciada a periculosidade presumida ou verificada do acusado.

Vale ressaltar a existência da concepção unicista ou escola unitária, a qual defende a unificação da medida de segurança e da pena reduzindo-as a um único meio, por entender que ambas realizam tanto a prevenção geral como a especial. Esta escola encontra as causas do delito na mentalidade do agente e não somente na simples manifestação da sua vontade, e, por isso, a pena tem sentido preventivo, fazendo com que o agente se torne incapaz de cometer sucessivos delitos (CORRÊA, 1999).

Ao analisar as designações e as alterações sofridas pelo Código Penal referente à pessoa com transtorno mental autora de delito, nas diversas fases apresentadas, verifica-se que no Código Criminal do Império, foi utilizada a expressão louco de todo o gênero para designar a irresponsabilidade. Já o Código Penal da República utilizou as expressões imbecilidade nativa, enfraquecimento senil e completa privação dos sentidos e da inteligência. O Código de 1940 traz as expressões doença mental e desenvolvimento mental incompleto ou retardado, deixando clara a influência da Psiquiatria no âmbito do Direito Penal, a qual, em nome da defesa social, não se preocupava com o limite temporal da segregação do inimputável, demonstrando que o seu objetivo continuava o mesmo: fazer ciência.

1.1. Instituição da medida de segurança

A primeira codificação da medida de segurança surgiu no Código Penal suíço, em 1893 e, posteriormente, no Código Penal português, em 1896, no da Noruega, em 1902, da Argentina, em 1921, e no italiano, em 1930 (ANDRADE, 2004). O Código Penal italiano reunia a pena e a medida de segurança, afirmando que esta última tinha caráter preventivo e não se confundia com a pena; as medidas de segurança eram medidas de prevenção e assistência social relativamente ao estado perigoso daqueles que, sendo ou não penalmente responsáveis, praticavam ações previstas na lei como crime (COHEN, 2006a; CORRÊA, 1999).

A origem da medida de segurança se encontra na Escola Positiva do Direito Penal. Esta Escola negava a distinção entre imputáveis e inimputáveis, afirmando que a sociedade não deveria punir, mas defender-se através de medidas de segurança contra aqueles que se manifestam perigosos (CORRÊA, 1999). Assim, a medida de segurança foi criada como mecanismo de defesa social, objetivando um regime de segurança com o fim de defesa da sociedade. As suas bases conceituais emergem da noção de periculosidade e da concepção de prevenção social (ALVIM, 1997).

A medida de segurança não tem o caráter de retribuição que se verifica na pena, nem qualquer relação com o fato típico, mas relaciona-se somente com a periculosidade do agente. A referida medida, estabelecida pela norma penal, objetiva assegurar o controle social, devido à condição de periculosidade social ou, ainda, às possibilidades de voltar a cometer um outro crime (MANTOVANI, 2005; SCARPA, 2007).

Para a compreensão do significado e da instituição da medida de segurança é importante abordar a Escola Positiva do Direito Penal. Esta Escola se constituiu a partir de um conjunto de conhecimentos, influenciados pelo Positivismo, oriundos de disciplinas como a Biologia, a Psicologia e a Medicina, os quais começam a se aproximar do Direito e a buscar compreender o comportamento humano a partir da sua natureza biopsíquica.

O psiquiatra italiano Cesare Lombroso, o sociólogo criminalista Enrico Ferri e o jurista Raffaele Garofalo, influenciados pela recém criada Antropologia Criminal, além da Psiquiatria e da Sociologia, forneceram as condições teóricas para o surgimento, no final do século XIX, da Escola Positiva do Direito Penal (ANDRADE, 2004). Para esta, a pena deveria ser substituída pelo isolamento da pessoa que cometeu um ato delituoso e daquela que, por apresentar uma "biotipologia criminosa", representasse um "perigo concreto" para a comunidade, com a finalidade de tratamento.

Diferentemente da Escola Clássica, que considerava o ser humano como um ser racional que agia livremente (no caso de cometimento de um ato delituoso), priorizando a relação entre a gravidade do delito e a proporcionalidade do castigo a ser aplicado, a Escola Positiva compreendia a transgressão à norma como sintoma de uma doença, e, por isso, destacava a importância de descobrir os nexos causais que levavam a pessoa a delinqüir. Tal Escola considerava que a pessoa que cometia um crime pertencia a "uma categoria de indivíduos portadores de certo conjunto de anomalias bio-psíquicas que se revelam mediante o comportamento delituoso, consistindo esse um indicador de sua periculosidade" (COSTA, 2003, p. 168). Sendo assim, entendia o crime como uma doença: o doente é criminoso, e, por isso, também é perigoso.

O crime deixa de ser julgado como um fato isolado, ganhando destaque as características físicas e psíquicas de quem o praticou. Conforme afirma Costa (2003, p. 168), "o infrator e o ato delituoso perdem a natureza ético-moral como referência para seu julgamento e passam a integrar o campo de entendimento, interpretação, avaliação e prescrição da Medicina (Psiquiatria), Psicologia e Sociologia, especialmente." Desse modo, a Escola Positiva foi a responsável pelo desenvolvimento da medida de segurança.

A influência da escola italiana - antropologia criminal baseada em Lombroso e Ferri - é percebida no Código Penal brasileiro de 1940, o qual passa a apresentar uma condição objetiva: a periculosidade. O referido Código traz uma nova modalidade de sanção penal, a medida de segurança, conforme se verifica a seguir:

Art. 76. A aplicação da medida de segurança pressupõe:
I. a prática do fato previsto como crime;
II. a periculosidade do agente.

De acordo com Peres (2002, p. 345), as medidas de segurança surgem para "possibilitar ao direito penal um espaço de atuação frente aos irresponsáveis e 'semi-responsáveis', que, com base no código anterior, estavam fora do âmbito das sanções penais." A finalidade da medida de segurança é a prevenção: ela funda-se sobre o estado perigoso que a pessoa apresenta, o qual é justificado no presente para evitar uma infração futura.

A medida de segurança prevista pelo Código de 1940 era aplicável apenas post delictum (salvo disposição do parágrafo único do artigo 76) e a periculosidade do autor do crime era presumida juris et de jure (artigo 78) ou averiguada pelo juiz (artigo 77). Embora houvesse fixada a duração mínima como limite necessário ao arbítrio judicial, tal medida era imposta por tempo indeterminado até que cessasse o estado perigoso da pessoa. Na parte especial do Código, as medidas de segurança foram divididas em duas categorias: patrimoniais, constando a interdição de estabelecimento ou de sede de sociedade ou de associação e o confisco; e pessoais, as quais se dividiam em detentivas, com a internação em Manicômio Judiciário, em casa de custódia e tratamento, em colônia agrícola ou em instituto de trabalho, de reeducação ou de ensino profissional, e não-detentivas, viabilizadas através de liberdade vigiada, proibição de freqüentar determinados lugares e exílio local (CORRÊA, 1999; MATTOS, 1999). Porém, com a reforma penal de 1984, as medidas de natureza pessoal ou patrimonial foram abolidas do Código Penal, restando apenas duas espécies de medida de segurança: uma detentiva, que consiste na internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, e outra restritiva, que se refere ao tratamento ambulatorial.

Para Cohen (2006a, p. 127), a medida de segurança é uma medida de prevenção, de terapia e de assistência social relativa ao estado perigoso daqueles que não são penalmente responsáveis, e, ao afirmar que "ela simplesmente tenta garantir um tratamento para o doente e defende a sociedade de um indivíduo perigoso", verifica-se a prevalência do discurso científico para legitimá-lo nas suas necessidades de controle.

Assim, a medida de segurança é instituída no Código Penal brasileiro como uma medida especial para criminosos específicos: os doentes mentais perigosos (PERES, 2002). O instituto da medida de segurança difere da pena, a qual tem caráter repressivo e intimidante, por ter finalidade preventiva. Além disso, na exposição de motivos do Código Penal consta que a medida de segurança não é pena e tem caráter assistencial.

Segundo Barros (1994b, p. 134), a aplicação da medida de segurança à pessoa com transtorno mental se apóia sobre dois postulados básicos, quais sejam, "o da inimputabilidade-periculosidade do sujeito, que impõe sua separação da comunidade, e o da suposta terapeuticidade da instituição psiquiátrica judiciária, repropondo, portanto, a visão segundo a qual seria possível tratar através da tutela e custódia.". Para esta autora, o elo entre periculosidade social e doença mental, no plano jurídico, era oferecido pelo postulado da inimputabilidade, e ela afirma que "embora se reconheça, hoje, o caráter antitético das duas instâncias, tratamento e custódia, é a instância custodial que prevalece através da justificativa de medida de segurança social." (BARROS, 1994b, p. 134).

Quando se suspeita que a pessoa que praticou ato delituoso apresenta algum transtorno mental, deve ser feita uma solicitação de exame médico-legal para que se avalie a imputabilidade com vistas à formação do processo de Incidente de Insanidade Mental, previsto nos artigos 149 a 153 do Código de Processo Penal (MOSCATELLO, 1999). Após a finalização do exame de insanidade mental, este é remetido ao juiz, que poderá acatar ou não o parecer dos peritos. Caso a insanidade mental tenha sido argüida e o juiz acate o parecer, absolverá o acusado e aplicará a medida de segurança. O juiz, com a competência jurisdicional específica, uma vez observado o devido processo legal, deve aplicar a medida de segurança, que tem tempo indeterminado em face da situação considerada de periculosidade do indivíduo e deverá ser cumprida num Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico - HCTP, sendo que o internamento do indivíduo em tal instituição se destina ao tratamento psiquiátrico (COHEN, 2006a). Após o trânsito em julgado da sentença que aplica a medida de segurança, é expedida guia de internamento pela autoridade judiciária (artigos 171 a 173 da Lei de Execução Penal) para o início da execução da referida medida.

O prazo da medida de segurança para internamento ou tratamento ambulatorial é indeterminado, ficando sujeito à cessação da periculosidade do agente. Porém, é fixado por lei um prazo mínimo de cumprimento da medida de segurança, que é de um a três anos (artigos 97, § 1º e 98 do Código Penal). Ao fim do prazo mínimo estabelecido pelo juiz quando determinou a medida de segurança, será realizada perícia médica, a qual será repetida anualmente, ou a qualquer tempo, por determinação judicial, quando for o caso (artigo 97, § 2º do Código Penal), com a finalidade de verificar se houve a cessação da periculosidade.

A Lei de Execução Penal (LEP) determina para o juiz a obrigação de verificar a persistência ou não da periculosidade na pessoa submetida à medida de segurança. A primeira verificação é quando se expira o período mínimo da sua aplicação (artigo 175 da LEP). Porém, além deste período fixo, a revisão da periculosidade social é possível a qualquer momento (artigo 176 da LEP). Se, após o exame, persistir a periculosidade, o juiz fixa um novo prazo para um exame posterior.

Com este mecanismo, se verifica a possibilidade concreta de que a medida de segurança dure por tempo indeterminado. Nesse sentido, de acordo com a legislação brasileira, apenas o limite mínimo deve ser respeitado, não existindo um limite máximo de duração a ser respeitado, e, mesmo que decorra o período mínimo fixado pela sentença, a medida pode não ter fim se não for verificada a cessação da periculosidade. Assim, além da medida não poder ser revogada, poderá vir a ser prorrogada.

Conforme Manacorda (1982, p. 27), no plano substancial, a duração indeterminada da medida de segurança constitui-se como instrumento de repressão criminal que se aplica lá onde a sanção penal, em sentido estrito, não pode alcançar, ou lá onde esta última não parece suficiente a assegurar garantias de "defesa social" adequadas. E ele conclui que

A indeterminação da duração serve portanto por um lado para manter ativo o instrumento de repressão até quando o poder judiciário e político o considere oportuno; por outro, a suscitar em quem está assujeitado um impulso a modificar os comportamentos sancionados, realizando em tal modo uma forma particular de "organização do consenso".

Já no plano formal, o instrumento para designar a duração indeterminada da medida de segurança é fornecido pela avaliação da persistência do seu pressuposto: a periculosidade social (MANACORDA, 1982). De fato, o Código Penal brasileiro reza que a medida de segurança detentiva não pode ser revogada se permanece o requisito da periculosidade social.

Uma vez averiguada a cessação da periculosidade social, a medida de segurança pode ser revogada e o juiz determinar a desinternação ou a liberação do interno (artigo 97, § 3º do Código Penal). Ocorre que a liberdade do agente é sempre condicional à periculosidade apresentada antes do decurso de um ano (é o que se chama de "salvo conduto"), pois se ele cometer qualquer ato que caracterize perigo à sociedade, deverá ser restabelecida a situação anterior, ou seja, a internação no HCTP (artigo 97, §§ 3º e 4º do Código Penal).

O "dispositivo de controle-dominação da loucura" trazido por Foucault (2004b, p. 244) é, segundo Peres (2002, p. 348), baseado no saber psiquiátrico e na justiça criminal. Para ela, este dispositivo forma-se através de duas estratégias: a psiquiátrica, que privilegia a doença e parece não mais reconhecer a periculosidade sob a qual se constituiu; e a jurídico-penal, ou "estratégia da periculosidade", a qual se estabelece como uma rede extremamente complexa, através da união dos dois campos de atuação: a psiquiatria e a justiça.

A referida estratégia, voltada para o futuro e moldada em torno de uma doença-perigo, absolve o autor do crime, mas o interna com o argumento da periculosidade. Conforme afirma Peres (2002, p. 348-9), tal dispositivo complexo "encontra como ponto inicial a constituição do alienismo, que, através de um saber sobre a loucura, caracteriza-a como irresponsável e perigosa, justificando sua estratégia de ação", e, com a institucionalização da medida de segurança, essa estratégia possibilita a atuação do direito penal na loucura.

Enfim, a medida de segurança, com o objetivo de controle e a natureza de tratamento compulsório, repropõe a idéia de tratamento através da tutela e da custódia. E mesmo reconhecendo a contradição entre tratamento e custódia, é esta última que prevalece, apoiada pela justificativa da segurança social. Dessa forma, evidencia-se um mecanismo de privação ou restrição de direitos da pessoa, reafirmando o caráter aflitivo da referida medida, e a preocupação excessiva com a eficácia da defesa social.

2. Reforma penal de 1984

O Código Penal de 1940 sofreu alterações na sua parte geral através da Lei nº 7.209 de 11 de julho de 1984, em vigor desde 13 de janeiro de 1985. Foi adotado o sistema vicariante, o qual foi instituído pela primeira vez em 1951 no Código Penal Suíço, tendo sido inserido também no Projeto do Código Penal Alemão de 1960. O fundamento da pena passa a ser, exclusivamente, a culpabilidade, enquanto a medida de segurança encontra justificativa somente na periculosidade aliada à incapacidade penal do agente (ALVES, 1998; CORRÊA, 1999; MIRABETE, 2002). A aplicação cumulativa e sucessiva de pena e medida de segurança ao acusado imputável se fosse julgado perigoso deixa de existir, e, a partir daí, a medida de segurança passa a ser aplicada apenas aos inimputáveis, tendo tal instituto a natureza preventiva e não a punitiva.

A imputabilidade é definida como a capacidade de entendimento psíquico do caráter ilícito do comportamento delituoso, de acordo com o que prevê o artigo 26 do Código Penal brasileiro:

"Art. 26. É isento de pena o agente que, por doença mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Parágrafo único. A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude da perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado, não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento."

O agente somente será considerado inimputável para ser absolvido, isento de pena de acordo com o Código Penal, se o fator patológico eliminou inteiramente tanto a sua função ou capacidade de entendimento como a de vontade em relação à sua conduta criminosa. Adotou-se o critério biopsicológico: a capacidade de entendimento ético-jurídico e a capacidade de determinação da vontade estão condicionadas a causas biológicas, como doença mental e desenvolvimento mental incompleto ou retardado (BRANDÃO, 2007).

De acordo com o referido método biopsicológico, é necessária a efetiva existência de um nexo de causalidade entre o estado mental e o crime praticado, ou seja, que este estado tenha privado completamente o agente da capacidade psicológica. Para determinação da sanidade mental do acusado, o Direito Penal utilizará os critérios e métodos da psiquiatria tradicional, confirmando ou não a sua imputabilidade, que é o primeiro pressuposto do juízo de reprovação (MATTOS, 1999). A tarefa de reconhecimento das causas biopsicológicas será exercida por perito psiquiatra, o qual deve dizer a influência destas na capacidade de discernimento ou no poder de vontade do agente, ao tempo do cometimento do crime.

Ressalte-se que compete ao juiz decidir pela imputabilidade ou inimputabilidade da pessoa acusada, não cabendo tal decisão ao perito que elabora o laudo psiquiátrico, tendo este apenas a tarefa de concluir ou diagnosticar a tal respeito, nunca decidindo em tal sentido (ALVES, 1998). De acordo com a legislação processual penal brasileira, o juiz não é obrigado a seguir as conclusões do laudo ou perícia psiquiátrica, pode adotá-las ou rejeitá-las total ou parcialmente, fundamentando a sua decisão. Na verdade, esta regra deve ser seguida para qualquer perícia, exame ou laudo, de acordo com o artigo 182 do Código de Processo Penal (CPP). É o chamado livre convencimento do juiz: ele não fica vinculado ao laudo pericial apresentado, podendo apreciar livremente o conjunto probatório, na formação da sua convicção. Porém, é muito raro ocorrer no Brasil, por parte da magistratura, a rejeição ao laudo, sendo muito poucos os casos conhecidos na Justiça Criminal. Isso acontece por conta da especificidade da análise que é feita pelos psiquiatras, sendo difícil ocorrer a negação, a rejeição ou a divergência desses profissionais (ALVES, 1998).

Com a reforma penal de 1984, que adotou o sistema vicariante, em substituição ao sistema do duplo binário, a nova lei penal preconiza a aplicação da pena reduzida ou a substituição pela medida de internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou sujeição a tratamento ambulatorial. E é a partir de tal reforma que o conceito de periculosidade social será reservado apenas às pessoas com transtornos mentais, pois tais sujeitos não serão considerados como responsáveis pelo seu ato, mas serão considerados como socialmente perigosos (COHEN, 2006a).

De acordo com o Código Penal brasileiro, a doença mental é causa excludente de culpabilidade, e, por isso, as pessoas com transtornos mentais autoras de crimes geralmente são absolvidas. Desse modo, não devem ser punidas, mas tratadas. Sendo assim, a essas pessoas será aplicada medida de segurança com internação em Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico, fundada na sua periculosidade, prevista no artigo 96, inciso I, do Código Penal.

Assim, os conceitos de culpabilidade, de imputabilidade e de periculosidade emergem unindo a terminologia jurídica à da Psiquiatria. De acordo com Costa (2003, p. 169),

A formulação do conceito de culpabilidade colocou a imputabilidade como coluna dorsal de sua construção teórica e trouxe à tona uma questão que, por estar habitando uma zona de transição entre a Religião e a Moral, até aquele momento havia permanecido oculta. Era a questão dos diferentes, que no dizer de Foucault: "estes homens não são considerados nem completamente como doentes, nem completamente como criminosos, nem feiticeiros, nem inteiramente como pessoas normais. Há neles algo que fala da diferença e chama a diferenciação." (Foucault, 1978)

As medidas de segurança, que visavam garantir a proteção tanto do indivíduo com transtorno mental, quanto da sociedade, são alteradas no já mencionado artigo 96 e passam a significar obrigatório tratamento psiquiátrico; seja em internação em Hospital de Custódia eTratamento Psiquiátrico ou, à falta, em outro estabelecimento adequado.

Nesse caso, é importante destacar as modificações referentes às medidas de segurança:

Art. 96. As medidas de segurança são:
I -Internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, à falta, em outro estabelecimento adequado.
II -Sujeição a tratamento ambulatorial.
Parágrafo único -Extinta a punibilidade, não se impõe medida de segurança nem subsiste a que tenha sido imposta.
Art. 97. Se o agente for inimputável, o juiz determinará sua internação (art. 26). Se, todavia, o fato previsto como crime for punível com detenção, poderá o juiz submetê-lo a tratamento ambulatorial.
§1º -A internação, ou tratamento ambulatorial, será por tempo indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação de periculosidade. O prazo mínimo fixado deverá ser de 1 (um) a 3 (três) anos.
§2º -A perícia médica realizar-se-á ao termo do prazo mínimo fixado e deverá ser repetida de ano em ano, ou a qualquer tempo, se o determinar o juiz da execução.
§3º -A desinternação, ou a liberação, será sempre condicional devendo ser restabelecida a situação anterior se o agente, antes do decurso de 1 (um) ano, pratica fato indicativo de persistência de sua periculosidade.
§4º -Em qualquer fase do tratamento ambulatorial, poderá o juiz determinar a internação do agente, se essa providência for necessária para fins curativos.

Apesar das alterações trazidas pela Reforma Penal de 1984, ainda permanece a mesma diretriz no que se refere à atuação frente ao louco criminoso. Mantêm-se os institutos da inimputabilidade e irresponsabilidade da pessoa com transtorno mental e a semi-responsabilidade dos que apresentam "perturbação da saúde mental", agora, no artigo 26 do Código Penal. Na verdade, foram poucas as alterações, sendo que uma refere-se apenas à troca de um adjetivo: substituiu-se "criminoso" (artigo 22) pelo adjetivo "ilícito" (artigo 26), em sua referência à incapacidade de entendimento do agente sobre o caráter do fato delituoso. Como afirma Cintra Júnior (2003, p. 159), "a inimputabilidade acaba tendo, em razão da lei, um tratamento muito mais penal que terapêutico".

2.1. Medida de segurança: tratamento?

Inicialmente, é importante trazer a diferença entre pena e medida de segurança. A pena é aplicada somente aos responsáveis e funda-se na culpabilidade, é caracterizada como uma sanção imposta a um fato concreto e passado (o crime), de forma retributiva e proporcional à gravidade e visa também promover prevenção geral e especial contra o crime. Já a medida de segurança é aplicada aos semi-responsáveis e irresponsáveis, tomando como fundamento a periculosidade, a probabilidade de praticar novo crime.

Segundo Peres (2002, p. 346), "A pena e a medida de segurança diferem não apenas por apresentarem finalidades distintas, repressiva ou preventiva, mas, também, pelas causas, condições de aplicação e modo de execução." Ela acrescenta que para aplicação da medida de segurança, o crime funciona como um sintoma do estado perigoso individual: como não é possível ter certeza sobre a duração desse "estado", a medida de segurança tem duração indeterminada, e, nesse sentido, caracteriza-se como preventiva, voltada à "neutralização profilática ou recuperação do indivíduo" (PERES, 2002, p. 346).

A medida de segurança, a partir de então, será o internamento em hospital de custódia e tratamento ou similar e o tratamento ambulatorial, e tem como prazo mínimo de duração um a três anos, determinado pelo juiz, apesar de manter o seu caráter indeterminado. Como afirma Peres (2002, p. 353), "Os limites continuam elásticos, a lógica mantém-se: o doente mental delinqüente é englobado por uma estratégia que se centra na periculosidade - futuro, risco, probabilidade -, à qual cabe uma sanção indeterminada.".

O Código Penal traz no seu artigo 99, os "direitos do internado": "O internado será recolhido a estabelecimento dotado de características hospitalares e será submetido a tratamento". Nesse sentido, analisando tal artigo, os estabelecimentos destinados ao cumprimento da medida de segurança são considerados hospitalares. Porém, embora sejam instituições hospitalares públicas, não integram o Sistema Único de Saúde (SUS), mas o Sistema Penitenciário. Desse modo, não são regidas pelos princípios previstos nas Leis nº

8.080 e 8.142/1990, que criam e regulamentam o SUS, mas pelos princípios da Lei de Execução Penal.

Esse se configura em um dos problemas de base do Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico, revelando mais uma vez a contradição de uma instituição criada para tratar os ditos loucos criminosos, mas, no entanto, figura no rol das instituições penitenciárias. Conforme consta na Resolução nº 3, de 23 de setembro de 2005, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) do Ministério da Justiça, nos seus Anexos III e IV, os HCTP são "estabelecimentos penais destinados a abrigar pessoas submetidas a medida de segurança" (BRASIL, 2005, p. 10-11).

É importante perceber que o lugar destinado ao HCTP, o antigo manicômio judiciário, é o mesmo reservado àqueles que são submetidos a uma sanção penal, os usuários do sistema penitenciário brasileiro, confirmando a idéia de que a medida de segurança se identifica mais com a pena do que com um instrumento terapêutico. Como afirma Peres (1997, p. 135), "O louco-criminoso e o seu lugar institucional - o Manicômio Judiciário ou Hospital de Custódia e Tratamento - estão ambos dentro do contexto das políticas criminais, fazendo parte do sistema penitenciário, embora em um lugar à margem, por sua ambigüidade."

Registre-se que se o próprio Código Penal estabelece como direito dos internados o tratamento em uma instituição dotada de características hospitalares, determinando, ainda, que, na sua falta, seja a pessoa internada em estabelecimento adequado (artigo 96, inciso I do Código Penal), a função primordial da medida de segurança deve ser o cuidado com a saúde daquela pessoa, conforme corrobora o artigo 14, § 2º da Lei de Execução Penal. Porém, apesar de visar o tratamento, a estrutura adotada (HCTP) é aquela baseada no modelo hospitalocêntrico, desvinculada de um sistema integrado de atenção em saúde mental.

Um outro aspecto que merece destaque é que durante o inquérito policial ou já com o processo criminal instaurado, a pessoa com transtorno mental autora do delito que suscite dúvidas acerca da sua "integridade mental" (art. 149, CPP), será submetida à realização de um laudo pericial, elaborado por psiquiatras, o qual irá fundamentar a decisão do juiz acerca da sua periculosidade e imputabilidade. Ressalte-se que é já nesta fase que tal pessoa será encaminhada ao HCTP, onde permanece, na maioria dos casos, até a promulgação da sentença.

Como afirma Corrêa (1999, p. 147), "Enquanto todo o arcabouço do Direito Penal contemporâneo caracteriza-se pela certeza e esforça-se pelas garantias penais da pessoa, as medidas de segurança continuam sobre conceitos incertos e ambíguos, a espelham um tipo de conceito indeterminado." Tais medidas, ao lado da questionável indeterminação temporal do seu cumprimento, inspiram-se nos conceitos de periculosidade e doença mental que "têm uma valoração intrínseca, escorregadia e equívoca, por estarem entrelaçados, à medida que esta pressupõe aquela." (CORRÊA, 1999, p. 148).

Percebe-se, assim, que a medida de segurança se distancia dos objetivos para os quais foi criada (tratamento, conforme consta na legislação penal), potencializando as características segregadoras e finalidades presentes na pena privativa de liberdade: castigo e repressão. Atua em nome da periculosidade, promovendo, assim, discriminação contra as pessoas com transtornos mentais autoras de delitos, desrespeito aos prazos processuais, confirmando a incontestabilidade do exame pericial.

Possuem razão os constitucionalistas Menelick Carvalho Netto e Virgílio de Mattos, ao afirmarem no seu Parecer acerca da constitucionalidade da aplicação da medida de segurança (CARVALHO NETTO, 2005, p. 24-5):

A vedação legal-constitucional à internação como uma forma de tratamento permanente ou continuado (...) com muito maior razão se impõe como garantia básica do portador de sofrimento ou transtorno mental em conflito com a lei. Aqui os princípios do devido processo legal e da ampla defesa impedem a aplicação a ele de uma penalidade perpétua e indefinida, posto que não mais procede legalmente considerar-se o isolamento como algum tipo de tratamento.

Ademais, ao favorecer uma assistência psiquiátrica custodial, com o objetivo de proteger as pessoas internadas nos HCTP, o Estado acaba mantendo-as isoladas, impossibilitando mudanças que viabilizem a sua integração à comunidade e o respeito aos seus direitos individuais previstos pela Constituição Federal.

Finalmente, quando se elege uma instituição com características asilares, como é o HCTP, para o tratamento das pessoas com transtornos mentais infratoras, verificam-se dificuldades na individualização da medida de segurança, o que inviabiliza a possibilidade de conjugar tratamento e responsabilização. Nessa perspectiva, a reabilitação daquelas pessoas deve estar diretamente relacionada ao conjunto de ações em saúde mental adotadas no país nos últimos anos, o que vem ocorrendo somente em alguns estados (BIONDI, 2006).

3. Saúde no manicômio judiciário

Pode-se afirmar que um marco na garantia do direito à saúde no Brasil foi a I Conferência Nacional de Saúde Mental, realizada de 25 a 28 de junho de 1987, ao final da qual foi formulado um relatório que incluiu o tópico "A Saúde como Direito", no qual se destacou que o direito à saúde significa a garantia, pelo Estado, "de condições dignas de vida e de acesso universal e igualitário às ações e serviços de promoção, proteção e recuperação de saúde, em todos os seus níveis, a todos os habitantes do território nacional, levando ao desenvolvimento pleno do ser humano em sua individualidade." (AMARANTE, 2003, p. 77). Outra questão importante abordada no referido relatório foi a noção de direito como conquista social. Nascia, nessa conferência, uma nova concepção de saúde, que, conforme assinala Amarante (2003, p. 77), "permitiu a definição de alguns princípios básicos, como universalização do acesso à saúde, descentralização e democratização".

Dentre os diversos segmentos populacionais que demandam atenção diferenciada, destaca-se o das pessoas com transtorno mental autoras de delitos. Este é um tema cuja área de interesse vai além da Psiquiatria Forense e transborda os limites de um campo que pode ser definido de forma ampla e genérica como o da Psiquiatria a serviço da Justiça (LIMA, 2002). Historicamente à margem do sistema de saúde, a pessoa com transtorno mental infratora é tratada durante anos na esfera da Justiça, e, geralmente, sem qualquer inserção prévia no serviço de referência do seu território, o paciente, uma vez considerado inimputável, costuma ser recusado nos serviços de saúde das redes pública ou privada. Assim, a saúde é tema fundamental quando se aborda o manicômio judiciário.

Com a Constituição Federal de 1988, a saúde passa a ser um direito de todos e um dever do Estado (artigos 196 a 200), e as ações e serviços públicos de saúde integram um sistema único descentralizado com atendimento integral e com a participação da comunidade. O direito à saúde está incluído no capítulo da Seguridade Social da Constituição, que abrange o conjunto das políticas de Previdência e Assistência Social, e ainda de acordo com o texto constitucional, rege-se pelo princípio do atendimento integral (art. 198, II). Com este princípio, o Estado deve assegurar os tratamentos e procedimentos necessários a todos os agravos à saúde humana, através do SUS. Os conceitos incluídos no texto constitucional e a regulamentação desse direito através das Leis Orgânicas nº 8.080/90 e 8.142/90 constituem suas bases legais e fixam princípios e diretrizes para o seu cumprimento (COSTA, 2003).

A constituição desse sistema abrange as instituições públicas do Poder Executivo em seus três níveis: União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Essas instâncias são ainda acrescidas por serviços oriundos da comunidade, privados e filantrópicos, vinculados de alguma forma ao Poder Executivo. Esta configuração do modelo de atenção à saúde do Brasil começou a ser formulado no final dos anos setenta pelo movimento conhecido como Reforma Sanitária.

O novo marco legal adota uma concepção ampliada de saúde e estabelece o direito universal a uma atenção integral: todos os cidadãos brasileiros, incluindo a população prisional, passam a ter o seu direito à saúde garantido por lei, diferentemente do que ocorria antes da Constituição de 1988, quando somente os assalariados tinham direito aos serviços públicos de saúde.

De acordo com Biondi, Fialho e Kolker (2006, p. 2),

Paralelamente à construção do Estado de Direito Democrático o paradigma centrado na doença, na assistência médica individual e no dispositivo hospitalar passa a ser questionado e é formulada uma nova diretriz que implicará em mudanças tanto nas formas de financiamento e gestão do sistema como na organização dos serviços.

Conforme a nova concepção, regulamentada pelas Leis nº 8.080/90 e 8.142/90, devem ser priorizadas a atenção básica e as ações de controle de riscos e agravos, cabendo aos três níveis de gestão (federal, estadual e municipal), de forma integrada, mas descentralizada e regionalizada, a execução de políticas públicas voltadas para a promoção, a proteção e a recuperação da saúde. O SUS é criado com esse objetivo, baseado nos princípios da universalidade, da integralidade e da eqüidade. Nesse aspecto, cabe ressaltar o que prevê o inciso IV do artigo 7º da Lei nº 8.080 /90, que versa sobre os princípios que regem as ações e os serviços de saúde: "IV -igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie" (BRASIL, 1990a).

No que se refere à área da saúde mental, a Reforma Psiquiátrica vem construindo um novo modelo de atenção nesse âmbito. Inicialmente adequando-se às diretrizes do SUS e, a partir de 2001, conformando-se à Lei nº 10.216/2001, a assistência psiquiátrica começa a ser reestruturada projetando um outro cenário no campo da saúde mental. Como informam Biondi, Fialho e Kolker (2006, p. 3-4), para a atenção integral à pessoa com transtorno mental

passa a ser priorizado o tratamento em serviço de atenção diária e para os pacientes com longa história de internação em hospitais psiquiátricos, deverão ser desenvolvidos programas de reinserção e reabilitação psicossocial (artigo 5º). Além disso, ficam proibidas as internações em instituições com características asilares, só havendo justificativa para a admissão em estabelecimento psiquiátrico quando os demais recursos mostrarem-se insuficientes (artigo 4º). Entendendo que o lugar de cuidado do usuário de serviços de saúde mental é na própria comunidade, a reforma psiquiátrica brasileira adota como um de seus principais dispositivos o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS).

Ao contrário das internações psiquiátricas que promovem o isolamento e a exclusão social, o objetivo dos CAPS é oferecer cuidados clínicos e de reabilitação psicossocial adequados às especificidades de cada caso e, simultaneamente, desenvolver a autonomia, a cidadania e a responsabilidade, favorecendo a inclusão social dos usuários em seu próprio território (BRASIL, 2004a).

Para a consolidação do novo modelo de atenção à saúde mental adotado no Brasil, baseado nos princípios da Reforma Psiquiátrica, é necessário um amplo investimento na rede básica de saúde e uma maior diversidade de dispositivos substitutivos. Assim, serviços de atenção diária, a partir da base territorial; residências terapêuticas; programas de reinserção sociofamiliar; normas para a qualificação da assistência hospitalar, bem como a fiscalização dos hospitais, vêm substituindo gradativamente o modelo hospitalocêntrico por formas de atenção fundadas em dispositivos territoriais de base comunitária (COSTA, 2003).

Apesar de todas essas medidas terem possibilitado a redução dos leitos psiquiátricos de 72.514 para 42.076, no período de 1996 a 2005 (BIONDI, 2006), o mesmo não ocorre nos HCTP do país, que ainda aguardam um plano nacional para a reorientação do seu modelo de atenção. Na pesquisa realizada por Biondi, Fialho e Kolker (2006), consta que, segundo o Ministério da Saúde, no Brasil há 4000 pacientes distribuídos em 19 HCTP, sendo que nos estados que não possuem HCTP, existe um número desconhecido de inimputáveis custodiados em unidades prisionais. Porém, o Quadro Geral de Estabelecimentos Penais por Estado, atualizado pelo Ministério da Justiça (Departamento Penitenciário Nacional), através do Sistema Integrado de Informações Penitenciárias - InfoPen, no mês de março de 2007, informa que existem no Brasil 28 HCTP, distribuídos em 17 Estados. Para os referidos pesquisadores, uma das grandes dificuldades nessa área é a ausência de um recenseamento que permita conhecer o perfil da clientela das instituições manicomiais judiciárias do país, onde apenas alguns estudos locais foram realizados (BIONDI, 2006, p. 5).

Diante desse quadro, a situação das pessoas com transtorno mental que cometeram delito e cumprem medida de segurança permanece à espera de solução. Ainda não existe um entendimento uniforme no país, sobretudo, nas instâncias do Poder Judiciário, no sentido de que mesmo sem a reforma da legislação penal seja possível começar a compatibilizar a assistência aos inimputáveis ao disposto na Lei nº 10.216/2001, havendo apenas mudanças pontuais em alguns estados.

A III Conferência Nacional de Saúde Mental definiu como uma das metas a ser alcançada a adequação dos HCTP aos princípios da Reforma Psiquiátrica (BRASIL, 2002c). Além disso, entendendo que o tema das medidas de segurança exigia uma abordagem intersetorial e que a atenção à saúde da população prisional, em geral, deveria ser ajustada aos princípios e diretrizes do SUS, os Ministérios da Justiça e da Saúde passaram a atuar em conjunto. Foi realizado o I Fórum Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário e constituída uma comissão interministerial que formulou o Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário (BRASIL, 2005). Ademais, dois seminários importantes pautaram o debate com o objetivo de formular uma nova política para a atenção do louco infrator: o "Seminário Direito à Saúde Mental -Regulamentação e Aplicação da Lei 10.216/01" (BRASIL, 2001) e o "Seminário Nacional para a Reorientação dos Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico" (BRASIL, 2002a).

De acordo com recente pesquisa realizada pelo Instituto Franco Basaglia (as equipes acompanharam durante 65 meses a população de 154 pacientes internados no HCTP Heitor Carrilho), restou demonstrado que muitos pacientes somente continuavam no hospital por falta de suporte e vários que conseguiam ser desinternados acabavam voltando, mesmo sem cometer novo delito, por dificuldades de reinserção social (BIONDI, 2006).

O direito à saúde é um dos direitos humanos a ser efetuado concretamente pelas ações do Estado que envolvam e valorizem a sociedade, considerando-a como um dos atores fundamentais à realização daqueles direitos (VANDERPLAAT, 2004). Aplica-se à saúde mental o princípio de que cabe à sociedade, em interação com o Estado, gerar e cumprir os dispositivos legais que lhe possibilitem exercer sua constante e construtiva participação nas ações do Estado, especialmente no desenvolvimento da sua função social. No caso do HCTP, esse princípio torna-se ainda mais relevante, tendo em vista a apartação social à qual foram submetidas as pessoas ali internadas, que, em sua grande maioria, perdem os vínculos com a família e a sociedade.

3.1. Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico: reafirmação do modelo hospitalocêntrico de separação e exclusão

Desde o início da instituição do hospital psiquiátrico no Brasil, já se verificavam maus-tratos perpetrados contra os doentes mentais. Era o que denunciava o Dr. João Carlos Teixeira Brandão através de manifestos sobre atos violentos cometidos no Hospício Dom Pedro II, o Hospício Nacional (CORRÊA, 1999; RIBEIRO, 1999). A política de internamento e desagregação vigente no pensamento médico do século XIX permanece nos dias atuais, no que se refere ao tratamento oferecido às pessoas com transtornos mentais internadas nos Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCTP) do país.

Na trajetória da política de saúde mental do Brasil, constata-se que mortes, maus-tratos e humilhações ainda fazem parte do cotidiano de inúmeros hospitais psiquiátricos brasileiros - como evidenciam as vistorias feitas, seja por iniciativa do poder público ou da sociedade civil (SILVA, 2001; COMISSÃO NACIONAL, 2004) -, dentre eles, os HCTP. Contudo, encontram-se omissões na apuração e investigação destas ocorrências, além da fragilidade dos órgãos de fiscalização do Estado brasileiro.

No que se refere ao HCTP, a medida de segurança surge como sendo uma "pena de caráter aflitivo" (PERES, 1997, p. 278). Em que pese constituir-se em um processo terapêutico, a estabilização do quadro patológico, diagnosticado anteriormente, não marca o término da medida de segurança, configurando, assim, uma situação de desrespeito aos princípios dos direitos humanos pela circunstância de perpetuar a restrição de ir e vir de uma pessoa.

Baseando-se, portanto, no potencial de periculosidade do infrator, a medida de segurança possibilita uma segregação indeterminada, pois se o laudo psiquiátrico concluir que não cessou a periculosidade do paciente, este deverá permanecer internado. Resta ao juiz da Vara de Execução Penal acatar esta circunstância de caráter médico-psiquiátrico. A medida de segurança configura, para o interno, a falta de perspectiva do seu retorno ao convívio comunitário. Este potencial rompimento dos laços sociofamiliares constitui uma das dimensões pela quais os direitos humanos repelem a indeterminação do tempo de internação no HCTP.

Segundo Corrêa (1999), a assistência psiquiátrica custodial encontra respaldo na legislação penal vigente e na organização do Estado. Ambas, pretendendo proteger as pessoas com transtorno mental autoras de delito, acabam propiciando situações de desrespeito aos direitos individuais previstos pela Constituição Federal de 1988, seja pelo isolamento nos HCTP, seja pela não garantia das condições mínimas de vida para aqueles sujeitos.

Percebe-se, assim, uma verdadeira punição dessas pessoas: a pessoa com transtornos mentais é punida através da segregação manicomial e da perda de direitos, culminando, assim, com violações dos seus direitos humanos. Tratamento inadequado, precárias condições sanitárias, tortura, maus-tratos, insalubridade, falta de acesso à justiça, ausência de mecanismos que preservem o vínculo com os familiares, enfim, são exemplos das violações de direitos humanos ocorridas cotidianamente nos hospitais psiquiátricos e nos HCTP (CARAVANA, 2000; COMISSÃO NACIONAL, 2004; GONÇALVES, 2004).

O HCTP pode ser caracterizado como uma instituição total, uma vez que reforça a exclusão individual e limita a interação com o mundo exterior (GOFFMAN, 2003). Ademais, o tratamento das pessoas com transtornos mentais é baseado na exclusão, tanto nos hospitais psiquiátricos para loucos não infratores como naqueles para loucos infratores, onde a exclusão é mais incisiva. Nesse sentido, Costa (2003, p. 172), ao comentar as práticas das leis brasileiras que acabam confirmando a exclusão dessas pessoas, salienta:

Se tal não bastasse a completar o quadro crônico de exclusão e abandono dos portadores de transtorno mental, tal contexto se agrava sobremaneira quando estes acumulam outra qualidade jurídica de exclusão, qual seja: a de violadores da ordem jurídico-penal e ingressam nos meandros da execução penal. Neste caso, os poucos direitos que lhes são atribuídos desaparecem.

Na verdade, a noção de exclusão sempre esteve na base do modelo hospitalocêntrico, escolhido para a assistência psiquiátrica brasileira. O encaminhamento de uma pessoa com transtorno mental ao hospital psiquiátrico está diretamente relacionado ao fato de que ela sempre foi vista como incapaz de responder às demandas sociais que se lhe apresentavam. Como assevera Resende (2001, p. 36), a tendência central da assistência psiquiátrica brasileira está na exclusão: "[...] desde seus primórdios até os dias de hoje, o grande e sólido tronco de uma árvore que, se deu e perdeu ramos ao longo de sua vida e ao sabor das imposições dos diversos momentos históricos, jamais fletiu ao ataque de seus contestadores e reformadores."

Na administração do HCTP, o Estado incorpora a demanda punitiva-segregacionista produzida socialmente, voltando-se para os internos com uma estrutura alicerçada na violência, controladora e reprodutora da desconfiança. É grande o número de abusos cometidos e as conseqüências atentam não apenas contra os direitos e garantias individuais daqueles que foram submetidos ao cumprimento de medida de segurança, mas aos interesses da própria sociedade posto que, há muito tempo, tais instituições transformaram-se em um dos mais significativos fatores no complexo processo de reprodução da loucura.

Ao afirmar que os hospitais de custódia, historicamente, não eram espaços para intervenções terapêuticas, por medida de segurança para a sociedade, Tânia Kolker (BRASIL, 2001) conclui que os ambientes dos HCTP nunca foram terapêuticos. Constata-se, assim, a falta de uma política intersetorial estruturada, por parte dos poderes públicos, voltada para as pessoas ali internadas. A violação dos direitos humanos dessas pessoas é constante e vincula-se a um conjunto de causas. Dentre elas, uma das mais importantes é a idéia de que o abuso sobre as vítimas - internos, e, por isso, pessoas com transtornos mentais infratoras - não merece a atenção pública. Ademais, as violações de direitos são cometidas por aqueles que têm o dever legal de garanti-los e protegê-los.

Essas práticas também decorrem do fato de que tais pessoas ainda são "tratadas" no modelo hospitalocêntrico, apesar da aprovação, a partir do ano de 2003, de alguns instrumentos visando a reorientação do modelo do HCTP para um atendimento adequado aos princípios do SUS e da Reforma Psiquiátrica, como é o caso da Resolução nº 5, de 04 de maio de 2004, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, que será analisada mais adiante. Depois de mais de três anos da publicação de tal Resolução, a maior parte dos HCTP do país ainda mantém o atendimento baseado no modelo custodial psiquiátrico, não implementando as mudanças necessárias para assegurar direitos.

Assim, tem se verificado que o grande número de pessoas com transtornos mentais encarceradas nos HCTP é conseqüência da inexistência ou disponibilidade reduzida de serviços públicos de atenção à saúde mental, da implementação de leis que criminalizam comportamentos tidos como "inconvenientes", do falso conceito difundido de que as pessoas com transtornos mentais são perigosas e da intolerância da sociedade com um comportamento diverso do que esta deseja (chamado por alguns de "perturbador"). Além disso, alguns países não possuem "tradições jurídicas que promovam o tratamento (ao invés de castigo) para infratores com transtorno mental" (OMS, 2005, p. 102).

Segundo Biondi, Fialho e Kolker (2006, p. 8-9),

a inexistência, até hoje, de uma política nacional para a reorientação do modelo de atenção nos HCTPs, a falta de projetos estaduais para a reinserção social assistida dessa clientela e, mais especificamente, a forma como tem sido promovida a desospitalização dos inimputáveis, sem nenhum tipo de follow-up monitorado, sem a gestão planificada do acesso ao tratamento no âmbito do SUS e, portanto, sem a garantia de continuidade do suporte terapêutico, tem mantido o portador de transtorno mental infrator numa espécie de limbo assistencial e deixado aos pacientes e suas famílias o ônus de viabilizar a continuação do tratamento, o que tem contribuído para a maioria das reinternações e recidivas.

Esse é o cenário propício às violações de direitos humanos naquela instituição total, ainda comprometido com a idéia original da criação do manicômio judiciário, baseada na exclusão e na segregação. Como afirma Silva (2001, p. 5), "ao apresentar-se despido em sua crueldade violadora dos mais comenzinhos dos direitos humanos, em relação ao hospital psiquiátrico não pairam grandes dúvidas acerca das suas funções e do seu funcionamento." O autor afirma, ainda, que "na sua identidade se constitui paralelamente, como elemento menor, uma sempre tênue justificação discursiva, sustentadora da sua suposta função terapêutica, que nunca foi capaz de se impor e reverter a sua verdadeira lógica e missão".

No HCTP, o tratamento tem como base a segregação da pessoa, que visa a "segurança social" contra um sujeito "perigoso" por presunção legal e não a base terapêutica. A permanência do louco no manicômio apenas o cronifica: se verifica, na prática, o agravamento das condições de saúde e a perda da possibilidade de reintegração social daqueles que estão no sistema psiquiátrico. A defesa social desconsidera qualquer aspecto da saúde mental e aplica uma medida de segurança que se caracteriza pela indeterminação da sua duração e pela falta de perspectiva de um atendimento baseado no conceito do direito à saúde, evidenciando, assim, um descompasso com os princípios do SUS e com a legislação sanitária e de saúde mental.