ADIR - L'altro diritto

ISSN 1827-0565

3. Incorporação do ideal iluminista no Brasil

Adriana Dias Vieira, 2007

Triste Bahia
Ó quão dessemelhante
Estás e estou
No nosso antigo estado
Gregório de Mattos.
Trecho do poema "Triste Bahia"

3.1 A escravidão e a modernidade: o surgimento do estado brasileiro

O direito português vigorou no Brasil durante todo o período em que esteve submetido ao poder português (1500-1822). Historicamente, por quase quatrocentos anos, foi negada institucionalmente pelo Direito positivo brasileiro a cidadania aos negros e índios. O Livro V das Ordenações Filipinas autorizava a prática de tortura contra eles. A arquitetura política e religiosa tratava de justificar todos os tipos de exploração que eram necessários ao modelo colonialista da época: a Igreja católica afirmava que negros e índios não tinham "alma"; o direito vigente considerava-os res, ou seja, mercadoria, no âmbito civil.

Em relação aos índios, o padre Anchieta afirmava se tratarem de bárbaros e pareciam estar mais perto da natureza das feras do que da dos homens (ARAÚJO in CANCELLI: 2004, p.14). Nesta passagem, fica claro o argumento de "desumanidade" dos índios.

A legislação do Reino, desde o princípio, aparentemente protegia os indígenas. Aparentemente, porque sempre oscilou entre o interesse dos colonos, ávidos de escravos, e a intenção missionária dos religiosos, que tentavam integrar os índios ao mundo dos brancos. Mas sempre houve a brecha da "guerra justa", isto é, o beneplácito oficial ao extermínio (ARAÚJO in CANCELLI: 2004, p. 18).

Em relação aos negros africanos trazidos ao Brasil, vinham de várias partes da África para trabalhar como mão-de-obra escrava nas lavouras de cana-de-açúcar do Nordeste e, mais tarde, nas plantações de café. Chegavam ao Brasil em grandes embarcações marítimas, já acorrentados e "coisificados": os "brancos" brasileiros se acostumaram a ver a pele negra com grande desprezo. A escravidão é por excelência a negação da humanidade do outro. Aos negros, todo tipo de tratamento era possível. O poema "Navio Negreiro", do consagrado poeta Castro Alves (1847 - 1871), ilustra esse momento da história do Brasil, em que negros, feitos escravos, já nos navios negreiros em direção ao Brasil, eram submetidos às mais horrendas práticas de tortura: "Presa nos elos de uma só cadeia, A multidão faminta cambaleia, E chora e dança ali! Um de raiva delira, outro enlouquece, Outro, que martírios embrutece, Cantando, geme e ri!". Instaurava-se o comércio humano nos portos e cidades brasileiras. A escravidão negra marcará, a partir de então, profundamente a história brasileira: na cultura e no direito.

A historiografia brasileira moderna tem trabalhado no sentido de reconstruir a memória dos vencidos, destruindo a imagem do negro conformado, inerte, passivo. Têm-se estudado as revoltas e insurreições, no sentido de entender suas dimensões, e suas conseqüências. Vera Malaguti afirma que o período de transição do Brasil colônia ao Brasil Império é marcado por várias revoltas e a difusão do medo como uma estratégia das elites brasileiras: o medo de uma revolução, do Zumbi, utilizado racionalmente para reprimir violentamente os grupos afro-brasileiros, e impedir um projeto de inclusão social.

"No Brasil a difusão do medo do caos e da desordem tem sempre servido para detonar estratégias de neutralização e disciplinamento planejado das massas empobrecidas. O ordenamento introduzido pela escravidão na formação sócio-econômica sofre diversos abalos a qualquer ameaça de insurreição. O fim da escravidão e a implantação da República (fenômenos quase concomitantes) não romperam jamais aquele ordenamento. Nem do ponto de vista sócio-econômico, nem do cultural. Daí as consecutivas ondas de medo de rebelião negra, da descida dos morros. Elas são necessárias para a implantação de políticas de lei e ordem. A massa negra, escrava ou liberta, se transforma num gigantesco Zumbi que assombra a civilização; dos quilombos ao arrastão nas praias cariocas. (BATISTA: 2003, p. 21).

O direito era apenas mais um instrumento de repressão e prevenção contra uma rebelião dos negros que, semanalmente, desembarcavam nos portos brasileiros, em navios negreiros, para serem vendidos em praças públicas. A repressão também se voltava contra as religiões africanas e a religião muçulmana que se difundia na colônia, motivo pelo qual foi presente no Brasil a Inquisição (1) (NOVINSKY: 2002, p. 22). A cidade de Salvador, naquele período e ainda hoje, estava cercada de quilombos e terreiros.

Em 1646 realizou-se em Salvador, na Bahia, no colégio da Companhia de Jesus, uma" Grande Inquirição ", sob ordem dos inquisidores, que revelou a existência de uma sociedade subterrânea. Foram denunciados 77 judaizantes, 18 somitigos e 18 feiticeiros.(NOVINSKY: 2002, p.22).

Luciano Maia lembra que, para se compreender o fenômeno da tortura no Brasil, não basta a mera observação desta herança cultural, fruto da colonização portuguesa. A origem patrimonialista do processo de colonização, quando a Coroa portuguesa confiou a empreendedores privados a exploração de capitanias hereditárias, em que os donatários também tinham direito à designação de capitães e governadores, e as empresas econômicas de brancos portugueses tinham poder de vida e de morte sobre os africanos (MAIA: 2001, p.43).

Vera Malaguti lembra que remonta à criação da Guarda Real da Polícia (1809) a imensa discricionariedade das polícias brasileiras que trabalham de acordo com uma política criminal seletiva e racista. Analisando os dados da população carcerária do Rio de Janeiro (então capital da Colônia e sede da Coroa portuguesa) apontados por Holloway (2), ela afirma:

Com relação aos padrões de detenção, as pesquisas de 1810 a 1821 demonstram o critério de cor. São pouquíssimos os brancos presos. No Rio de Janeiro da época (quase metade da população era negra), 80% dos julgados eram escravos, 95% nascidos na África, 19% ex-escravos e somente 1% livre. No sistema penal dirigido à escravidão, os principais motivos para a prisão eram a fuga de escravos ou pratica de capoeira. As ofensas à ordem somadas à fuga consistiam 60% das detenções e 30% por furto de roupas e alimentos (BATISTA: 2003, p. 142)

Com a Independência do Brasil (1822), foi outorgada a primeira Constituição brasileira, outorgada por Dom Pedro I em 1824, a qual em seu art. 179 enunciava:

Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Império, pela maneira seguinte.
XIX. Desde já ficam abolidos os açoites, a tortura, a marca de ferro quente, e todas as mais penas cruéis.

Entretanto, a Constituição não retirou o vigor das leis portuguesas no Brasil. A proibição da prática de tortura, açoites e marcas de ferro quente dizia respeito aos "cidadãos", e, infelizmente, esta cidadania excludente pertencia a poucos. A escravidão foi mantida. Aos não-cidadãos (especialmente negros e índios), todo e qualquer direito continuava a ser-lhes negado.

Desta forma, a incorporação do direito penal europeu moderno foi muito particular, cheio de ambigüidades advindas das especificidades da sociedade brasileira da época. O Brasil buscou incorporar o liberalismo europeu sem rupturas, tentando conciliar as leis penais e a escravidão, o militarismo e a religiosidade brasileira. Neste sentido, Vera Malaguti afirma que "busca-se sempre uma forma jurídico-ideológica que assimile uma hierarquização absolutista, que preserve as estratégias de suspeição e culpa do direito canônico e que mantenha vivos o arbítrio e as fantasias absolutistas de controle total" (BATISTA: 2003, p. 123). No novo Estado brasileiro, será criado e mantido um violento sistema de controle social para assegurar a manutenção da escravidão: direito penal, criminologia e políticas penais se fundem para concretizar o projeto que criminalizará a pele negra no Brasil.

3.2 Código criminal de 1830

É neste marco histórico que o Código Criminal brasileiro de 1830 é escrito. Não representa ruptura alguma com o sistema penal anterior, apesar de refletir as principais idéias iluministas, adaptadas à realidade brasileira. Fruto de um período histórico conturbado, o Código Criminal, que substitui as Ordenações Filipinas, legaliza no recém criado Estado Brasileiro a prática de tortura e penas e tratamentos cruéis contra os negros, índios e peões livres.

De acordo com as leis penais brasileiras de 1830, a pena de morte era legítima e tinha "escabrosa facilitação processual para réus escravos que compete com a invulnerabilidade a ela dos senhores" (BATISTA, Nilo & ZAFFARONI: 2003, p. 53).

Em seus arts. 14 e 60, impunha que:

Art. 14,§6. É justificável o mal cometido no castigo moderado aplicado pelo senhor ao escravo, ou o que dele resultar.

Art. 60. Se o réu for escravo, e incorrer em pena que não seja capital ou de galés, será condenado na de açoites e, depois de os sofrer, será entregue ao seu senhor, que se obrigará a trazê-lo com um ferro pelo tempo e maneira que o juiz o designar.

Em 1833 é criada a Secretaria de Polícia, que abrange a Guarda Nacional e Polícia Militar, e o processo estatal de repressão se refina, voltando-se contra os escravos, africanos livres, pobres, ciganos, mendigos, vadios e crianças (BATISTA, Vera: 2003, p. 145).

A partir deste panorama, tem-se a triste constatação de que a polícia, instituição por si violenta e repressora, no Brasil apresenta feições ainda mais brutais, fruto da discricionariedade que é marca de sua criação, bem como dos objetivos "não-ditos" que a criaram. O sistema repressivo intenso contra certos setores da sociedade brasileira são consolidados, com a anuência das elites brasileiras que entendiam ser necessárias estas medidas para frear revoltas e manter a escravidão.

Analisando as causas da violência policial hoje no Brasil, Wacquant afirma que:

Essa violência policial inscreve-se em uma tradição nacional multissecular de controle dos miseráveis pela força, tradição oriunda da escravidão e dos conflitos agrários, que se viu fortalecida por duas décadas de ditadura militar, quando a luta contra a "subversão interna" se disfarçou em repressão aos delinqüentes. Ela apóia-se numa concepção hierárquica e paternalista da cidadania, fundada na oposição cultural entre feras e doutores, os "selvagens" e os "cultos", que tende a assimilar marginais, trabalhadores e criminosos, de modo que a manutenção da ordem de classe e a manutenção da ordem pública se confundem (WACQUANT: 2001, p. 09).

3.3 O Brasil república e o código penal brasileiro de 1940: abolição das penas cruéis, uma história mal contada

3.3.1 A realidade brasileira republicana: o racismo é sempre do outro

Com a abolição da escravatura em 1888 (3), a questão racial no Brasil poderia ter tomado um novo rumo. Poderia apenas. Na verdade, os negros continuaram excluídos e a eles continuaram infligindo todos os tipos de violência direta, estrutural e cultural (GALTUNG: 2002, p. 06). Os abolicionistas brasileiros - pertencentes à elite urbana - intentaram um movimento de "branqueamento" do Brasil, pois acreditavam na supremacia do "sangue branco" (DEUS in Seminários regionais preparatórios para conferência mundial: 2001, p. 179).

Este processo de regulação, modernização e padronização do sistema de repressão vai se aprimorando e, junto com a importação de mão-de-obra européia vai embranquecendo a cidade negra e preparando-a para o mais longo processo de emancipação da escravidão. Estava-se criando o artefato-antídoto contra a abolição, uma máquina mortífera de terror contra a ralé livre (BATISTA: 2003, p. 145)

A herança de todo esse cruel, sistemático e ininterrupto processo de exclusão social é o Brasil de hoje, cujo racismo é mascarado na vida pública, velado na vida privada. É importante pontuar a observação da profa. Lilia Moritz sobre a especificidade deste fenômeno no Brasil.

"uma das especificidades do preconceito vigente no país é seu caráter não-oficial. Enquanto em outras nações se adotaram estratégias jurídicas que garantiram que a discriminação fosse amparada pelo corpo da lei, no Brasil, desde a promulgação da República, afirmou-se a universalidade dos direitos" (SCHWARCZ: 2001, p. 54)

Pesquisas atuais produzidas na Universidade de São Paulo (USP) comprovam essa natureza "mascarada/escondida/negada" da discriminação racial ainda hoje no Brasil. Pesquisa realizada em São Paulo em 1988, e publicada na PubliFolha, é impressionante: 97% dos entrevistados afirmaram não ter preconceitos; 98% disseram conhecer sim pessoas que revelaram existência de discriminação racial (SCHWARCZ: 2001, p. 76). Afirma a profa. Lilia Moritz que a "conclusão informal da pesquisa era, assim, que todo brasileiro parece se sentir uma "ilha de democracia racial", cercado de racistas por todos os lados" (SCHWARCZ: 2001, p. 54).

3.3.2 Código penal de 1940 e as leis para gringo ver

O Brasil sofreu, ao longo do séc. XX, uma série de irrupções ditatoriais. Nestes momentos, em particular na ditadura de Vargas (1937-1945) e na ditadura militar (1964-1985), a prática de tortura foi sistematicamente utilizada contra os opositores do regime. Explica o prof. Yves Michaud que a violência (tortura, desaparecimento etc.) é utilizada como instrumento de "terrorismo de Estado", entretanto não é declarada, pois seu caráter clandestino faz parte de sua eficiência: a clandestinidade cria/produz o medo entre os cidadãos, o estado de insegurança generalizado e, por conseguinte, a despolitização da vida pública (MICHAUD: 1989, p. 57).

Na primeira metade do séc. XX, durante a ditadura Vargas, foi promulgado o Código Penal de 1940. Os manuais jurídicos tendem a reproduzir a idéia de que este Código Penal reflete os ideais do direito penal moderno: consolida a pena privativa de liberdade como a mais importante sanção penal, em concorrência com outros dois tipos de sanção penal: pena privativa de direitos e multa. A violência que dantes era abertamente exercida nas ruas e praças (assim como na experiência européia) deve, em tese, passar a ser exercida nos cárceres brasileiros que, teoricamente, devem ser lugares de ressocialização do apenado.

Entretanto, em seu texto original, o Código penal brasileiro reflete a concepção naturalística do crime, nos termos da criminologia positivista de Lombroso (4) e Ferri. Para Santoro, a criminologia positivista enxerga o fenômeno da criminalidade como um dado natural e que, portanto, pode ser estudado de forma científica, tal qual um físico ou químico em seus experimentos. Para tanto, a criminologia positivista ignora toda a relação entre o fenômeno criminal e a organização social, bem como todo o processo de criação e aplicação da lei penal (SANTORO: 2004, p. 23).

I positivisti negarono che le reazione ai reati degli apparati penali (il castigo) e delle istituzioni del controllo sociale mutano secondo il tempi e del luoghi. Essi si rifiutarono in altre parole di riconoscere che l'oggetto del loro studio, lungi dall'essere un dato naturale, era definito dagli apparati normativi ed esecutivi degli Stati sulla base di determinati valori. Questo rifiuto li portò ad accettare le definizioni sociali e legali del delitto come assolute e quindi come unico criterio per la individuazione dell'oggetto delle loro analisi. Per i criminologi positivisti i criminali, oggetto del loro studio, erano i soggetti che si trovavano in carcere perché condannati per aver commesso un reato. Veniva così accettato come un dato incontestabile non solo la definizione normativa vigente di che cosa è delitto, ma anche i processi selettivi operati dagli organi giudiziari e di polizia (SANTORO: 2004, p. 24).

Não seria necessário afirmar aqui que as concepções fascistas da criminologia positivista encontraram solo fecundo no Estado-Novo de Getúlio Vargas que, efetuando suas adaptações, utilizou-se mais uma vez das concepções européias para consolidar um sistema repressivo contra os negros e pobres no Brasil.

O art. 77 do CP brasileiro introduz as medidas de segurança na legislação brasileira:

Art. 77. Quando a periculosidade não é presumida por lei, deve ser reconhecido perigoso o indivíduo, se a sua personalidade e antecedentes, bem como os motivos e circunstâncias do crime autorizam a suposição de que venha ou torne a delinqüir.

Afirma, entretanto, Francisco Campos, Ministro:

Seria ocioso qualquer arrazoado em sua defesa. Apenas cumpre insistir na afirmação de que as medidas de segurança não têm caráter repressivo, não são pena. (...) São medidas de prevenção e assistência social relativamente ao estado perigoso daqueles que sejam ou não penalmente responsáveis, praticam ações previstas na lei como crime (CAMPOS, 1940, p. 421).

Para Nilo Batista, no final do séc. XIX, a política criminal européia deu-se conta da ineficácia do princípio da legalidade como instrumento de manutenção da ordem burguesa. Para tanto, criou a medida de segurança, melhor demonstração de que "para os medos burgueses existe crime além da lei" (BATISTA NILO: 1996, p. 302).

As reformas legislativas efetuadas em 1984 (5) é que atenuaram as marcas da criminologia positivista do Código penal brasileiro, tendo alterado respectivamente grande parte da Parte Geral e revogado toda a Parte Especial. Atualmente, o Brasil é regido pelo Código Penal de 1940 que, ao longo dos anos, sofreu imensas alterações legislativas.

Ainda hoje, através do art. 59 do CP, mantém-se a influência da criminologia positivista no ordenamento jurídico brasileiro:

Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime.

Pode-se portanto dizer que atualmente o Código penal brasileiro atual representa, pelo menos, do ponto de vista formal, o moderno direito penal. Entretanto, no Brasil, há sempre uma grande e vertiginosa distância entre o formal e o real. Histórica e culturalmente, o Código Penal de 1940 não representa uma ruptura de mentalidade das elites brasileiras, que, portanto, subsistem acreditando serem eficazes as antigas formas de repressão, não mais contidas nas leis brasileiras. Fazem-se as leis para agradar/adequar às exigências da "civilização" - leia-se Estados Unidos e Europa -, entretanto, mantém-se a antiga mentalidade. Este é o sentido da conhecida expressão brasileira "lei para gringo ver", que revela a mentalidade e os objetivos das leis promulgadas no Brasil: particularmente as leis penais brasileiras "modernas" são feitas para serem vistas pela comunidade internacional, e não para serem aplicadas. Estas leis refletem um ideal "humanitário" não brasileiro, não construído dentro da sociedade brasileira. Promulga-se uma lei, sabendo-se ineficaz. E neste hiato, deixa-se à discricionariedade dos agentes públicos o tratamento e a repressão policial. Eles sabem como se tratam os pretos no Brasil. Em música de Caetano Veloso sobre o massacre dos 111 presos do Carandiru, a denúncia: "cento e onze presos / indefesos / mas presos, são quase todos pretos / ou quase brancos, quase pretos de tão pobres / e pobres são como podres /todos sabem, como se tratam os pretos (...) o Haiti é aqui/ o Haiti não é aqui" (6).

Afirma o prof. Luciano de Oliveira que "nada exemplifica melhor essa permanência do que a continuidade existente entre os castigos físicos que qualquer cidadão-do-mato aplicava antigamente aos negros fujões e as torturas (às vezes chamadas eufemisticamente de "maus-tratos") que qualquer comissário de polícia aplica ainda hoje, sem maiores conseqüências, a qualquer ladrão pé-de-chinelo" (OLIVEIRA: 1994, p. 10).

Com o golpe militar de 1964, instaura-se uma nova ditadura no Brasil (1964-1985). Refina-se a prática de tortura, desta vez utilizada contra os opositores do regime militar. estudantes e intelectuais foram presos, torturados, mortos e exilados do país. Oliveira afirma que durante essa ditadura militar a classe média e a alta conheceram os cárceres e a brutalidade policial brasileira. Como se tratava de pessoas, classificadas por Oliveira como "intorturáveis", a repercussão destes acontecimentos foi imensa. A Anistia Internacional agiu fortemente, entretanto, pouco pôde ser feito naquele momento porque, por motivos geo-políticos, havia o interesse (e o financiamento) estadunidense para que a ditadura permanecesse no Brasil e reprimisse os grupos de esquerda e a ameaça socialista: era a Guerra Fria no mundo, e a ditadura nos países latino-americanos. No Brasil regido pelo arbítrio dos Atos Institucionais, foi autorizada a prisão incomunicável e vetada a possibilidade de impetração de habeas corpus.

Em carta publicada na New York Times, em 26 de fevereiro de 1970 (7), presos políticos organizados denunciaram as torturas e maus-tratos sofridos na "Ilha das Flores", centro de detenção do Rio de Janeiro. Vários livros foram publicados no sentido de condenar o horror cometido nesse período. Com o fim da ditadura, várias organizações de direitos humanos foram criadas com o intuito de combater a tortura e lutar pela memória dos "vencidos", ou seja, dos presos políticos torturados e "desaparecidos" naquele período. Oliveira pontua muito fortemente este momento como uma "tomada de consciência" das elites brasileiras de esquerda para os horrores das prisões no Brasil.

Enquanto no plano jurídico, a partir do séc. XX, o Brasil assistiu a uma gradual humanização das leis penais, a realidade vivida pela sociedade brasileira foi outra. Os quatrocentos anos de história de exclusão trouxeram, no século XX, a explosão da violência estrutural. A desigualdade sócio-econômica e a "inabilidade" governamental para criar e gerir uma ampla política de inclusão social dos grupos excluídos (índios, negros, mulheres) terminou por criar uma das sociedades mais desiguais do mundo. Explica o prof. Johan Galtung que "em termos de vidas perdidas, miséria e sofrimento humano, a violência estrutural é muito mais devastadora e destrutiva" (GALTUNG: 2002, p. 17) (8).

3.4 Constituição brasileira de 1988 e lei contra a tortura

Com o fim do período militar, o Brasil retorna ao longo percurso de redemocratização, nas leis e nas mentalidades da sociedade marcada com o selo do clientelismo e autoritarismo.

Sob a euforia democrática, promulgou-se a Constituição Federal de 1988. É a Constituição brasileira mais democrática e, certamente, por motivos políticos, aquela que dedica maior importância ao elenco dos direitos e salvaguardas individuais e coletivas. Já em seu Capítulo I "Dos direitos e deveres individuais e coletivos", em seu art. 5º, enuncia longo elenco dos direitos e salvaguardas individuais, que não têm caráter taxativo, nos termos do art. 5º, §2 da Carta Constitucional.

Art. 5º, III: Ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante.

Art. 5º, XLIII: A lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática de tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem.

Art. 5º, XLVII: Não haverá penas:

  1. de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;
  2. de caráter perpétuo;
  3. de trabalhos forçados;
  4. de banimento;
  5. cruéis;

Art. 5º, LXII: A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada;

O ordenamento jurídico brasileiro proíbe, atualmente, assim como a Europa e os Estados Unidos, a inflição de uma pena ou tratamento cruel, sem, entretanto, definir quais condutas/atos/situações violam o dispositivo constitucional. Cabe ao Poder Judiciário, na análise dos casos concretos, construir um significado para as categorias jurídicas em questão. Observação importante: ao contrário do federalismo estadunidense, a Constituição federal impõe competência federal para a legislação em direito penal. Entretanto, a administração da justiça no que concerne a crimes cometidos no nível estadual fica inteiramente no âmbito da justiça estadual. Cabe aos estados administrar e gerir as instituições penitenciárias.

Na temática da tortura, a carta constitucional limitou-se a proibir a prática de tortura, sem, no entanto, definir o tipo penal. Apenas com a promulgação da lei nº 9.455/97, a tortura foi criminalizada no direito brasileiro. Antes da edição da Lei nº 9.455/97, a tortura já era crime previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA - que, em seu art. 233, tipificava como crime "submeter criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância, a tortura". Além de ser instrumento de utilidade reduzida - apenas tratava do crime de tortura em relação às crianças e adolescentes - o supracitado instrumento normativo também não definia o conteúdo da conduta que se busca prevenir e punir (9).

Antes de analisar o conceito legal de tortura, tipificado pela Lei 9.455/97, é necessário fazer algumas (tristes) considerações sobre a atual situação brasileira, no que tange ao significado das penas e da humanidade. Os apontamentos se fazem necessários no sentido de confrontar o arcabouço legal com a realidade carcerária no Brasil. Wacquant analisa no livro "as prisões da miséria", a atual função do cárcere moderno, fruto do modelo neoliberalista, e afirma que "a penalidade neoliberal apresenta o seguinte paradoxo: pretende remediar com um "mais Estado" policial e penitenciário o "menos Estado" econômico e social, que é a própria causa da escalada generalizada da insegurança objetiva e subjetiva em todos os países". Surge o Estado Penal (WACQUANT: 2001, p. 07).

Wacquant aponta que a utilização do cárcere como instrumento de controle repressivo da miséria é ainda mais grave no Brasil e em outros países em que existe uma forte desigualdade de condições e de oportunidades e que são desprovidos de tradição democrática. Isto porque as disparidades sociais vertiginosas e a pobreza em massa alimentam o crescimento da violência criminal que tornam perigosos os grandes centros urbanos brasileiros e banalizam o mal nas ruas. As elites brasileiras, sob o efeito devastador e ensurdecedor do medo e do pânico orquestrado pela mídia brasileira, pedem mais repressão. Wacquant afirma:

O crescimento espetacular da repressão policial nesses últimos anos permaneceu sem efeito, pois a repressão não tem influência alguma sobre os motores dessa criminalidade que visa criar uma economia pela predação ali onde a economia oficial não existe ou não existe mais (WACQUANT: 2001, p. 09)

Quanto à violência policial no Brasil de hoje, Wacquant afirma:

A insegurança criminal no Brasil tem a particularidade de não ser atenuada, mas nitidamente agravada pela intervenção das forças da ordem. O uso rotineiro da violência letal pela policia militar e o recurso habitual à tortura por parte da policia civil (através do uso da "pimentinha" e do "pau-de-arara" para fazer os suspeitos confessarem), as execuções sumarias e os "desaparecimentos" inexplicados geram um clima de terror entre as classes populares, que são seu alvo, e banalizam a brutalidade no seio do Estado. Uma estatística: em 1992, a polícia de São Paulo matou 1.470 civis (...) o que representa um quarto das vítimas de morte violenta da metrópole naquele ano. É de longe o recorde absoluto das Américas (WACQUANT: 07).

É importante ter sempre em mente que é nesta sociedade, com estas características, que apresenta estes dados, e esta tradição jurídica de fazer "lei para gringo ver", que se insere o estudo do combate à tortura e da "tentativa" estatal de se "adequar" às normas internacionais de direitos humanos, tipificando e punindo o crime de tortura. E proibindo formalmente todo e qualquer tipo de tratamento cruel ou desumano.

3.4.1 Conceito legal de tortura no Brasil

A Lei nº 9.455/97 é, portanto, no direito brasileiro, a norma que tipifica e dá providências no que concerne ao crime de tortura. O art. 1º da referida lei enuncia que:

Art. 1º Constitui crime de tortura:

  1. constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental:
    1. com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa;
    2. para provocar ação ou omissão de natureza criminosa;
    3. em razão de discriminação racial ou religiosa;
  2. submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo.

Pena - reclusão, de dois a oito anos.

§ 1º Na mesma pena incorre quem submete pessoa presa ou sujeita a medida de segurança a sofrimento físico ou mental, por intermédio da prática de ato não previsto em lei ou não resultante de medida legal.

§ 2º Aquele que se omite em face dessas condutas, quando tinha o dever de evitá-las ou apurá-las, incorre na pena de detenção de um a quatro anos.

§ 3º Se resulta lesão corporal de natureza grave ou gravíssima, a pena é de reclusão de quatro a dez anos; se resulta morte, a reclusão é de oito a dezesseis anos.

§4 Aumenta-se a pena de um sexto até um terço:

  1. se o crime é cometido por agente público;
  2. se o crime é cometido contra criança, gestante, portador de deficiência, adolescente ou maior de 60 (sessenta) anos; (Redação dada pela Lei nº 10.741, de 2003) (10)
  3. se o crime é cometido mediante seqüestro.

§ 5º A condenação acarretará a perda do cargo, função ou emprego público e a interdição para seu exercício pelo dobro do prazo da pena aplicada.

§ 6º O crime de tortura é inafiançável e insuscetível de graça ou anistia.

§ 7º O condenado por crime previsto nesta Lei, salvo a hipótese do § 2º, iniciará o cumprimento da pena em regime fechado. (grifo nosso)

Da leitura do art. 1º da lei contra a tortura, como ficou conhecida a Lei nº 9.455/97, resta claro que o legislador infraconstitucional preferiu não seguir inteiramente os padrões internacionais de tipificação do crime de tortura, adotando uma conceituação diversa do adotado na Convenção contra a Tortura das Nações Unidas, da qual o Brasil é signatário.

Torna-se imprescindível localizar e individualizar cada elemento constitutivo do delito de tortura perante a lei brasileira. Para a sua configuração, exige-se a demonstração dos seguintes elementos: constrangimento ou submissão de pessoa; uso de violência ou grave ameaça; sofrimento físico ou mental, e motivação. Observe-se que a lei brasileira, diferentemente dos tratados e convenções internacionais, não restringiu a prática de tortura aos agentes públicos, mas ampliou o rol de sujeitos ativos, incluindo todo e qualquer cidadão, em suas relações particulares, quando tiver a "guarda, poder ou autoridade" sobre a outra pessoa.

3.4.1.1 Emprego de violência ou grave ameaça

Ao contrário da normativa internacional das Nações Unidas que impõe que a tortura pode ser cometida através de "qualquer ato", a lei brasileira impôs que a tortura se perfaz mediante o emprego de violência ou grave ameaça, o que, do ponto de vista legal, restringe-se a um fazer ativo o crime de tortura.

No relatório sobre a tortura no Brasil, Rodley afirmou que a definição de tortura dada pela lei brasileira limita a noção de tortura mental, que se perfaz, às vezes, pelo não agir, ou, inclusive, pelas condições penitenciárias que, infringindo grande sofrimento, pode consistir em tortura. Sobre este tópico, o relator apontou a importância de que a definição interna de tortura seja compatível com as exigências internacionais a que o Brasil está submetido.

A expressão "emprego de violência" reporta a uma idéia de força física, ou seja, de um agir positivo. Entretanto, acredito que uma interpretação mais extensiva da normas e do significado de "violência", por parte dos Tribunais brasileiros, pode sanar a limitação textual da lei. Basta aceitar que a violência pode ser mental, ou ainda exercida através da indiferença, ou seja, de um ato passivo.

A ameaça, por sua vez, consiste em intimidar, anunciar ou prometer castigo ou malefício a outrem. Aponta o prof. Luciano Maia que "relevante na grave ameaça é o risco percebido pela vítima de sofrer mal iminente. Assim, a aparência de vulnerabilidade, desde que não sentida pela vítima como mera aparência, não afasta a objetividade do delito".

3.4.1.2 Intenso sofrimento

O legislador nacional, neste ponto, seguiu os padrões internacionais de conceituação de tortura, já analisados. A tortura é uma forma agravada de tratamento desumano. Entretanto, o quantum de sofrimento não pode (e não deve) ser medido cientificamente, porque varia de pessoa a pessoa, e depende das demais circunstâncias do caso (gênero, idade, duração da inflição de sofrimento etc.). Por isto, são os tribunais brasileiros que devem, quando da análise dos casos concretos, impor o quantum de sofrimento é necessário para que se configure a pratica de tortura.

3.4.1.3 Motivação

A motivação é o terceiro, e talvez mais importante elemento constitutivo da prática de tortura. Diz respeito ao objetivo, ou seja, a finalidade que motiva uma pessoa a infligir em alguém um severo sofrimento. As alíneas a, b, c tratam de delinear as motivações que ensejam a prática de tortura, quais sejam: a) com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa; b) para provocar ação ou omissão de natureza criminosa; c) em razão de discriminação racial ou religiosa.

Ao contrário do padrão internacional, a lei brasileira restringiu o âmbito da motivação discriminatória, no que tange à tortura: uma leitura literal da lei impõe que apenas as discriminações raciais e religiosas são motivações para a configuração do crime de tortura. Neste ponto, sem dúvida, a utilização da definição internacional de tortura permitiria que um maior número de motivações fossem suficientes para tanto. Melhor seria se o legislador tivesse posto como motivação "todos os tipos de discriminação", que daria às muitas formas de discriminação (étnica, gênero, em razão de orientação sexual etc.) proteção legal.

3.4.1.4 Crime comum

Para a lei brasileira, contrariamente aos padrões internacionais, a tortura é crime comum, sendo crime próprio de agente público apenas em algumas hipóteses (art. 1º, §1 da Lei 9.455/97). Toda e qualquer pessoa pode ser punida por crime de tortura. Há agravante, se o crime é praticado por agente público, segundo o art. 1º, §4, I, da referida lei, sendo a pena aumentada de um sexto a um terço. Os crimes cometidos contra criança, gestante, portador de deficiência, adolescente ou maior de 60 (sessenta) anos, também são causas de agravação da pena.

O prof. Luciano Mariz Maia observa que o inciso II do art. 1º inclui uma condição pessoal ao agente do tipo. Não são todas as pessoas que podem praticar tortura, mas somente quem tem "alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade". Aqui, além dos requisitos já apontados, exige-se que a vítima esteja sob guarda, poder ou autoridade (o sujeito ativo é quem detém essa qualidade), decorrente de lei, contrato ou mesmo de uma situação de fato; e que o sofrimento seja intenso, e que o agente pretenda aplicar castigo pessoal ou medida de caráter punitivo (REGIS & MAIA: 2004, p. 174). Autoridade é o poder, derivado de Direito público ou privado, exercido por alguém sobre outrem. Já guarda é a assistência permanente - e não apenas ocasional - prestada ao incapaz de zelar por si próprio e cuidar de sua defesa e incolumidade (MACHADO: 2001, p.15).

Neste caso, entre o torturador e a sua vítima, resta comprovada a existência de um laço de poder, um vínculo real onde uma parte detém poder sobre a outra. Assim, pai ou mãe/filho, o professor/aluno, esposo/esposa, são exemplos claros dessa hipótese.

3.4.2 Definição legal de tratamento cruel e desumano

Semelhante às experiências internacionais (ONU, Europa e Estados Unidos), o ordenamento jurídico brasileiro não prevê um conceito legal daquilo que constitui tratamento cruel e desumano, apenas o proíbe. São os tribunais brasileiros que, no caso concreto, devem construir o significado da proibição, que será analisada no capítulo XI.

Entretanto, a lei nº 9.455/97, em seus parágrafos §§1 e 2, traz inovações sobre a temática, criminalizando - com o status de tortura - outras condutas que não são tradicionalmente entendidas como tal, nos termos da definição legal fornecida pela Convenção das Nações Unidas contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas e Degradantes.

No primeiro parágrafo da referida lei, vislumbra-se que constitui crime de tortura submeter pessoa presa ou sujeita a medida de segurança a sofrimento físico ou mental, por intermédio da prática de ato não previsto em lei. O segundo parágrafo impõe a responsabilidade penal objetiva àquele que, tendo o dever de evitar e apurar o tratamento ilegal imposto ao preso ou à pessoa sujeita à medida de segurança, omite-se de sua obrigação legal.

O avanço legislativo é grande, porque equipara à prática de tortura, para fins de responsabilidade e punição legal, as demais condutas ilegais que infligem certo grau de sofrimento físico e mental injustificável às pessoas presas ou sujeitas a medida de segurança, mesmo que o sofrimento não seja "intenso" e não haja uma finalidade ou objetivo, elementos tradicionalmente constitutivos da prática de tortura.

Ainda no que tange ao significado de tratamento cruel, também é importante pontuar a existência, no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro, de outro crime que visa a punir os crimes cometidos dentro do cárcere. O art. 136 do Código Penal define o tipo penal de "maus-tratos", como sendo:

Código Penal Brasileiro. Art. 136. Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina.

Do ponto de vista legislativo, o Brasil tem fortes instrumentos de combate e punição às violências que acontecem dentro do cárcere. Apenas uma análise jurisprudencial acurada poderá dizer mais acerca da aplicabilidade e eficácia das leis penais brasileiras.

Notas

1. Sobre a atuação do Santo Ofício no Brasil, ver livro de Anita Novinsky, intitulado "Inquisição: prisioneiros do Brasil".

2. Ver Thomas H. Holloway. Policia no Rio de Janeiro: repressão e resistência numa cidade do século XIX. Rio de Janeiro: FGV, 1977.

3. Importante salientar que o Brasil foi um dos últimos países da América Latina a abolir a escravidão.

4. A tese do italiano Cesare Lombroso, no livro "O homem criminoso" consiste em uma tentativa de tornar científica e biológica a identificação de criminosos de acordo com suas especificidades físicas e psíquicas. Não será possível analisar a tese de Lombroso, mas tão-somente pinçar que, para ele, o traço distintivo do criminoso é sua insensibilidade à dor. Esta insensibilidade - traço de desumanização - é que justifica todos os tormentos sofridos em penitenciárias (DURAND: 1997, p. 163). Isto porque os criminosos por natureza ("criminel-né") são seres humanos cruéis por natureza e incapacitados de viver em sociedade. Os demais tipos de criminosos ("criminel d´occasion") podem ser ressociabilizados, pois não guardam em si essa mácula da desumanidade (DURAND: 1997, p. 171).

5. Ver Lei 7.209/84.

6. Trecho de canção "Haiti", Caetano Veloso.

7. Ver "Torture in Brazil", New York Time Review of Books. Volume 14, numero 04.

8. Texto original: "In terms of lives lost, misery and human suffering, structural violence is by far the more devastating and destructive" (GALTUNG: 2002, p. 17).

9. O art. 2º33 do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA - foi revogado pelo art. 4ºº da Lei nº 9.455/97.

10. Essa lei adicionou ao rol das agravantes quando a tortura é praticada contra pessoa maior de 60(sessenta) anos.